Jogo histórico vencido pela Itália
O chamado futebol-arte teria mesmo perdido o rumo naquele
jogo? A Itália, que venceu por 3 a 2 (com hat-trick de Paolo Rossi), teria
jogado na retranca? A tal “Tragédia do Sarrià”, denominada no Brasil, virou um
mito após o 5 de julho de 1982, em Barcelona, na Copa da Espanha. Porém, a
Squadra Azzurra jogou melhor, teve aplicação tática, nada de retranca e foi
eficiente. A seleção brasileira é que marcava mal. Basta assistir ao vídeo (jogo completo disponível, com narração em português) e verificar friamente, sem romantismo ou parcialidade.
Vídeo do jogo
Lembro-me que naquele dia, uma segunda-feira, com quase 13
anos, chorei diante da TV preto-e-branco! Desforrei o resultado num jogo de
pebolim, solitariamente. Inútil, pois a realidade era outra e a Itália rumaria
à conquista do tricampeonato contra a freguesa Alemanha no domingo seguinte, em
Madrid. E uma constatação vale aqui: a Itália era um timaço, com jogadores
experientes, tendo seu capitão, o goleiro Dino Zoff, e os demais da base da
Juventus, de Turim, o bicampeão e melhor time da “velha bota” de então, como
titulares na Espanha: os outros eram Gentile, Scirea, Cabrini, Tardelli e Paolo
Rossi.
As fortes marcações nas partidas não podem ser atribuídas
àquele fracasso brasileiro. É apenas a evolução física dos jogadores e dos profissionais
envolvidos no futebol. Cada técnico monta o seu esquema tático de acordo com os
jogadores disponíveis. Até o técnico Telê Santana, do Brasil em 1982, aprendeu
com aquela derrota e o novo insucesso na Copa de 1986 (colocando Elzo e Alemão
como titulares e Falcão na reserva), no México, pois montou, a partir de 1990,
um São Paulo campeão brasileiro, da Libertadores e Mundial de Clubes com
volantes de marcação e zagueiros improvisados na posição: Ronaldo (depois
Ronaldão) e Adílson. E volantes marcadores como Dinho, Doriva e Pintado foram
importantes, enquanto Cerezo (que jogou com Telê no São Paulo) e Falcão eram
ofensivos demais em 1982, mas ineficientes na marcação, o que deixava a defesa sempre
exposta.
Carlos Alberto Parreira montou um Brasil marcador em 1994.
Por aqui, o título nos pênaltis é lembrado, mas o futebol feio, inclusive de
todas as seleções daquela Copa, muitas vezes esquecido. Mas venceu! Aliás, o
calor dos Estados Unidos forçou das as equipes a não se exporem tanto. A Grécia
foi campeã da Eurocopa em 2004 com um esquema bem montado pelo alemão Otto
Rehaggel. De acordo com o que tinha. Azar de Portugal, que não soube criar ou desperdiçou
boas chances. O São Paulo, de Muricy Ramalho, foi tricampeão brasileiro entre
2006 e 2008, com três zagueiros e dois volantes, e vencendo partidas
importantes no sufoco.
Atualmente, observamos o inglês Chelsea, campeão da
Champions League, com bons jogadores, mas marcando forte para a lamentação do
ótimo e ofensivo Barcelona. E o Corinthians, de Tite, campeão brasileiro e
finalista da Libertadores, fechados e saindo ao ataque com cautela. O que há de
errado? Nada! Pelo menos para os torcedores dos times que conquistam vitórias e
títulos. Aos demais, claro, surgem críticas. E o jogo de Sarrià não pode ser
usado como divisor de águas entre futebol-arte e futebol-força ou retranqueiro.
Foi apenas um ótimo jogo de futebol, histórico para a competição!
Sarrià 1982
O estádio do Espanyol, inaugurado em 1923, também usado nos
Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992, não existe mais: foi demolido no final de
1997 e o espaço foi usado nas construções de imóveis.
Em 1982, foi usado na segunda fase (a quartas-de-final), um triangular formado
por Argentina (campeã em 1978), Brasil e Itália.
O antigo Estadi de Sarrià
Após a demolição, conjuntos residenciais (Crédito: http://ofeiticeirobranco.blogspot.com.br/2011/05/sarria.html)
Itália e Paolo Rossi
O futebol italiano tentava sair da crise após o escândalo do
Totonero, o esquema de manipulações de resultados feito por um grupo de
apostadores do Totocalcio, a loteria esportiva daquele país, entre 1979 e 1980,
que puniu clubes e jogadores das duas primeiras divisões italianas. Paolo
Rossi, absolvido na justiça comum, inicialmente tinha sido punido na justiça
esportiva por três anos de suspensão, mas a pena foi diminuída para dois para
que ele retornasse ao futebol e participasse da Copa da Espanha. A punição
terminou em 2 de maio e jogou um amistoso no dia 28. Na Copa, Rossi foi
decisivo, pois marcou três gols contra o Brasil, dois contra a Polônia na semifinal
e o primeiro da final. Il Bambino d’Oro (O Menino de Ouro) foi campeão, artilheiro
da competição, com 6 gols, e eleito o melhor da competição. Na primeira fase, a
Itália penou, com três empates: sem gols contra a Polônia e dois 1 a 1 contra
Peru e Camarões. Classificou-se por ter marcado um gol a mais que Camarões. Os
jogadores não concediam entrevistas à imprensa italiana, só aos jornalistas
estrangeiros.
Itália (que enfrentou o Brasil no Sarrià, com Sócrates e Leandro ao fundo): Zoff, Antognoni,
Scirea, Gentile, Collovati e Graziani (em pé); Paolo Rossi, Conti, Oriali,
Cabrini e Tardelli (agachados)
Brasil no ataque
O time de Telê Santana encantava pelo toque de bola e por
ser ofensivo. Zico, Sócrates e Falcão eram os pilares. Em 1982, em excursão à
Europa, a equipe venceu três adversários fortes: 1 a 0 na Inglaterra, 2 a 1 na
Alemanha Ocidental e 3 a 1 na França. Os amistosos no Brasil eram contra
equipes mais modestas e os resultados empolgavam, principalmente outra vitória
sobre a Alemanha Ocidental no Maracanã (1 a 0), em março de 1982. Na Copa, na
primeira fase, em Sevilla, a estreia contra a União Soviética foi complicada.
Bal abriu o placar para os soviéticos e o Brasil só empatou e virou no final,
com golaços de Sócrates e Éder. Mas o adversário foi prejudicado pela
arbitragem, que não assinalou um pênalti de Luisinho em Shengelia (falecido em 21 de junho de 2012) quando o jogo
estava 1 a 0. Contra a Escócia, novo susto com o gol de Narey, no início. Mas a
virada foi tranquila, com gols de Zico, Oscar, Éder e Falcão: 4 a 1. A frágil
Nova Zelândia foi presa fácil: 4 a 0 (Zico-2, Serginho e Falcão). Na fase
seguinte, em Barcelona, a rival sul-americana Argentina, de Maradona, capengava
e a vitória foi fácil: 3 a 1 (gols de Zico, Serginho e Júnior, contra um de
Ramón Díaz). Aí veio a Itália e...
O jogo de Sarrià
Desde a véspera, a imprensa brasileira já falava na
semifinal entre Polônia e Brasil. A vitória da Itália por 2 a 1 sobre a
Argentina foi ignorada. Existia um clima generalizado de otimismo. O jogo de 5
de julho foi aberto, apenas a Itália marcou melhor e aproveitou as chances que
teve. Era o futebol praticado na época. Basta ver o primeiro gol, aos 5
minutos: Bruno Conti dribla Éder, que desiste e não segue a marcação, algo
impensável nos dias atuais. Cabrini surge livre e cruza para Paolo Rossi cabecear,
livre, e marcar.
Zico era marcado por Gentile, mas não era aquela marcação
desleal e sem deixar espaço. E Zico escapou e lançou Sócrates para empatar aos
12 minutos. E o jogo continuou aberto e Rossi, aos 25, marcou o segundo gol dos
italianos. Observando a jogada desde o início, é uma bizarrice: depois de
cobrança de falta dos adversários, a saída de bola brasileira começa com
Leandro dominando a bola quase no pescoço, tocando do lado para Cerezo, que
toca atrás, entre Falcão, Júnior e Luisinho. Desatenção total. Rossi dominou a
bola e marcou. Um lance reclamado, de possível pênalti de Gentile sobre Zico
(que teve a camisa rasgada no lance), o árbitro isralense Abraham Klein
assinalou impedimento.
No segundo tempo, o jogo seguiu no mesmo ritmo e nada da
Itália fechada. Aos 23 minutos, Falcão empatou, numa bonita jogada. Mas chutar
livre, hoje, daquele jeito, da entrada da área, com tantos jogadores dentro da
área, é quase inimaginável. Mas o Brasil não aprendeu a lição. A marcação
continuou falhando. Aos 29, após escanteio, saiu o terceiro gol de Rossi, livre
de marcação. Ninguém marcava ninguém! A Itália ainda teve um gol anulado, aos
43, de Antognoni, com indicação de impedimento. Um erro crasso, mesmo para as
regras de impedimento da época. E poderia prejudicar a Itália, pois um cabeceio
de Oscar, no minuto seguinte, parou nas mãos do ótimo e veterano Zoff, quase em
cima da linha da meta.
Fim de Copa! Fim de sonho! Fim do futebol espetáculo, que
encantava, mas que era vulnerável defensivamente. Uma lição que precisou ser
aprendida! Futebol sem gol não tem graça, é certo, mas falhas defensivas
irritam qualquer torcedor. O futebol evoluiu fisicamente e taticamente. E novas
histórias assim serão contadas...
Paolo Rossi em ação no Sarrià
A visão de quem esteve no lá pelo jornal O Estado de S. Paulo:
Luiz Carlos Ramos
Ao contrário de meu amigo Brás, eu não tinha 13 anos em
1982, mas sim 38. E estava lá, no Sarriá, naquele 5 de Julho, com planos de
passear por Barcelona na folga do dia seguinte e preparar a cobertura das
semifinais e da final da Copa, certamente com a presença do Brasil. Eu era o
chefe da equipe de enviados especiais do Estadão ao Mundial da Espanha, equipe
integrada também pelo Fausto Silva - o hoje Faustão da TV Globo - e mais cinco
profissionais.
O capitão da seleção brasileira, Sócrates, já havia concedido entrevistas às vésperas daquele Brasil x Itália, animado pela vitória por 3 a 1 diante da Argentina, explicando de que forma ergueria a taça de campeão do mundo e como faria o discurso de apoio ao povo brasileiro. O Brasil dependia apenas de um empate contra os italianos para se classificar. E os italianos eram especialistas em empates: começaram a Copa com três empates na Galícia - contra Camarões, Peru e Polônia. O Brasil de Telê Santana é que não se acostumava em jogar na retranca. E este talvez tenha sido um dos grandes males da equipe: poderia ter segurado 2 a 2, mas foi para a frente e tomou o terceiro gol de Paolo Rossi, fatal.
Discordo de quem anuncia aquele time brasileiro de 1982 como o melhor de todos os tempos. Era uma equipe de futebol bonito, com um jogo limpo, limpo até demais - a ponto de se entregar à Itália mesmo quando Gentile rasgou a camisa de Zico. Faltou liderança, faltou garra, faltou inteligência.
Quem tinha 38 anos em 1982 tinha 14 em 1958, 18 em 1962 e 26 em 1970. Portanto, viu seleções brasileiras muito melhores do que aquela. E mais: convém não perder de vista que o entusiasmo pela seleção do Brasil começou com uma virada contra a União Soviética em que o juiz não marcou um pênalti claro de Luisinho e um dos adversários seguintes foi uma inofensiva Nova Zelândia. De qualquer modo, era mesmo um grande time, com Flacão, Sócrates, Zico, e um grande técnico. Um grande técnico que naquela tarde do Sarriá errou: deveria ter jogado com o regulamento na mão e dado ordens para segurar o empate. Por causa disso, o Brasil foi condenado a ganhar a Copa de 1994 com um sonolento empate contra a mesma Itália e ser obrigado a ouvir a tese de Parreira e de Zagalo de que o importante não era jogar um futebol bonito, mas sim vencer. No futebol feio de hoje em dia, eles teriam toda a razão.
O capitão da seleção brasileira, Sócrates, já havia concedido entrevistas às vésperas daquele Brasil x Itália, animado pela vitória por 3 a 1 diante da Argentina, explicando de que forma ergueria a taça de campeão do mundo e como faria o discurso de apoio ao povo brasileiro. O Brasil dependia apenas de um empate contra os italianos para se classificar. E os italianos eram especialistas em empates: começaram a Copa com três empates na Galícia - contra Camarões, Peru e Polônia. O Brasil de Telê Santana é que não se acostumava em jogar na retranca. E este talvez tenha sido um dos grandes males da equipe: poderia ter segurado 2 a 2, mas foi para a frente e tomou o terceiro gol de Paolo Rossi, fatal.
Discordo de quem anuncia aquele time brasileiro de 1982 como o melhor de todos os tempos. Era uma equipe de futebol bonito, com um jogo limpo, limpo até demais - a ponto de se entregar à Itália mesmo quando Gentile rasgou a camisa de Zico. Faltou liderança, faltou garra, faltou inteligência.
Quem tinha 38 anos em 1982 tinha 14 em 1958, 18 em 1962 e 26 em 1970. Portanto, viu seleções brasileiras muito melhores do que aquela. E mais: convém não perder de vista que o entusiasmo pela seleção do Brasil começou com uma virada contra a União Soviética em que o juiz não marcou um pênalti claro de Luisinho e um dos adversários seguintes foi uma inofensiva Nova Zelândia. De qualquer modo, era mesmo um grande time, com Flacão, Sócrates, Zico, e um grande técnico. Um grande técnico que naquela tarde do Sarriá errou: deveria ter jogado com o regulamento na mão e dado ordens para segurar o empate. Por causa disso, o Brasil foi condenado a ganhar a Copa de 1994 com um sonolento empate contra a mesma Itália e ser obrigado a ouvir a tese de Parreira e de Zagalo de que o importante não era jogar um futebol bonito, mas sim vencer. No futebol feio de hoje em dia, eles teriam toda a razão.
Brasil (provavelmente não é a foto do jogo): Valdir Peres, Leandro, Oscar,
Falcão, Luisinho e Júnios (em pé); Nocaute Jack (massagista), Sócrates, Cerezo,
Serginho, Zico e Éder (abaixados)
Itália campeã
em 1982 (clique nos sobrenomes e acesse perfis no Wikipedia)
Técnico: Enzo Bearzot
Primeira Página de O Estado de S. Paulo: Brasil, fim de um sonho (trecho da chamada: “...o jogo de ontem faltou a
seriedade que sobrou para a Itália e em 90 minutos o time brasileiro frustrou
seu povo, pois não teve força nem imaginação para chegar ao empate que lhe
daria uma vaga nas semifinais da Copa.”)
Primeira Página da Folha de S. Paulo: “Desastre –
Três erros derrotaram a seleção de Telê Santana” – “...porque cometeu três
erros fundamentais: achar que se ganha uma partida antes de disputá-la;
confundir jogar na defesa com covardia; acreditar que o talento individual pode
superar a falta de esquema.”
Ficha Técnica do Jogo:
Brasil: Valdir Peres;
Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico: Serginho
(Paulo Isidoro) e Éder. Técnico: Telê Santana
Itália: Zoff; Gentile,
Collovati (Bergomi), Scirea e Cabrini; Oriali, Tardelli (Marini), Conti e
Antognoni; Graziani e Paulo Rossi. Técnico: Enzo Bearzot
Árbitro: Abraham Klein
(Israel)
Gols: Paolo Rossi (3),
Sócrates e Falcão